quinta-feira

A Pedra

Era uma vez uma aldeia, numa ilha que acordou, um dia, com uma enorme montanha a pairar no ar, mesmo por cima da cabeça de todos. Era um rochedo colossal, cujo perímetro cobria a aldeia na sua totalidade, não deixando nada impune à tragédia da sua queda. No entanto, apesar do seu prodigioso tamanho, pairava no ar com a leveza de uma pena, etéria, sem se mover um mílimetro.Nem os caprichos do tempo pareciam suficientes para importunar este fantástico objeto.



Quanto ao amanhecer humano, esse excitou o temor e pânico. Todos apressaram-se a fugir da aldeia, como insetos quando se lhes retira a sombra segura da pedra onde vivem. As mães deixaram o leite no lume, os mais novos Gritavam perante o susto dos pais, os calçados ajudavam os descalços. Os que de joelhos pediam perdão dos seus pecados perante a certeza do Juízo Final eram arrastados pela anarquia dirigida para outra salvação, mais terrena.


Todos atulhados em pequenas cascas flutuantes, poderam racionalizar o incompreensível contemplando a monstruosidade daquele calhau a levitar por um fundamento surreal.- Iriam todos morrer! Rematando este conclusão com gritos e chouros num requiem de hesteria.
Contúdo o tempo continuou a sua caminhada inexorável, e ao meio sol o calhau teimava em não cair. Assim o terror inicial esvaneceu-se, pouco a pouco, o medo deu lugar áquela curiosidade adaptativa que nos faz humanos. Que força extraordinária mantinha tamanha massa de rocha assim, suspensa? E à sétima lua todos estavam, de novo, na ilha. Uns dormiam, outros sobressaltados fugiam repentinamente, de noite, julgando algum ruído, algum movimento da gigantesca tragédia. O que não tinha explicação foi analisado, dissecado e certificado.
Até as proprias nuvens pareciam ter aceite a sua presença, rodeavam a anormalidade logo pela manhã, num imaculado anel branco. Até lembrava um pequeno planeta multicolor refletindo as diferentes incidências do sol ao longo do dia. Até o cume gelou. A natureza aceitou-o metamorfosiando a feieza desta massa num jardim aluviado de cor.
Já ninguém acordava em agonía. Os artistas pintavam e esculpiam, os poetas declamavam, os crentes adoravam e o olhar da vil criatura viu no viso do calhau o reflexo do seu sucesso.
Com o tempo, vinham em cruzeiros peregrinações e onde estava o calhau nasceu um polo de atividade mundial. Religião, cultura, lazer tudo isto se centrava em céleres inaugurações. Organizavam-se escursões ao hotel no cume, onde tinham até pista-de-esqui!
Esta atracção imensa era magnética para o desejo, milhões amontoaram-se para viver, ver, tocar ou cheirar este calhau. Toda a Humanidade reuníu, em perfeita comunhão, os seus credos, medos e esperanças, á volta desta montanha. Vendiam até pedacinhos do calhau que se diziam afrodisíacas.
Um dia a pedra caíu.

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